14 outubro 2025

Com o olho no peixe e o outro no gato!

 

Em 1996, logo após os primeiros portais de internet começarem a se estabelecer no Brasil, fui indicado pelo amigo José Roberto para implantar uma plataforma de BBS (Bulletin Board System) na World Access Communications do Brasil (WAC),  uma empresa que atuava no mercado de ligações telefônicas internacionais pelo sistema de Call Back.

Durante a entrevista com a diretoria, sugeri que abandonassem a ideia da BBS. A Internet, argumentei, logo tornaria essa tecnologia obsoleta. Em vez disso, propus apresentar um projeto completo para implantação de um provedor de acesso à internet. Disse que em uma semana entregaria um Business Plan para o serviço.

Naquela época, meu conhecimento sobre internet era limitado, o mesmo que os primeiros usuários brasileiros possuíam. As pesquisas eram lentas e restritas, feitas através de conexões discadas precárias. Mesmo assim, nas poucas horas da noite em que minha a linha telefônica estava livre, consegui encontrar um documento da Embratel que explicava como montar provedores de internet.

Depois de algumas noites em claro, preparei um plano detalhado, abordando os aspectos técnicos, práticos e financeiros do projeto. O resultado agradou, e fui contratado.


O desafio de fazer tudo sozinho


No início, eu era literalmente a única pessoa na operação. Ficava responsável por montar toda a estrutura do provedor, tratar com a Embratel e a Telefônica, treinar vendedores e ainda resolver os problemas técnicos dos clientes.

O início do provedor WAC

Um dos maiores desafios era monitorar a rede, nos finais de semana quando estava em minha casa, sem depender da linha discada para acessar os servidores. Foi então que tive uma ideia: conectar dois modems Modem US Robotics Courier v.Everything  por meio de uma linha privada dedicada à voz entre meu apartamento e o CPD da empresa.
 
Modem US Robotics Courier v.Everything

Essas linhas privadas nada mais eram do que um par de fios conectando dois pontos, serviço que a Telefônica fornecia na época. Configurei os modems para manter uma conexão estável de 33.6 Kbps, uma velocidade impressionante para aquele tempo.

De repente, eu tinha uma conexão ininterrupta à internet, que me permitia acompanhar o status do provedor e ainda navegar “de graça” de casa.

A imagem abaixo ilustra bem como eram minhas manhãs de domingo: um olho no peixe e outro no gato, parte relaxando, parte monitorando o sistema.


Um olho no peixe e o outro no gato!


Um sistema interno que se tornou um serviço


O sistema ficou tão eficiente que começamos a vender a solução para alguns clientes corporativos. Na época, poucos sabiam o que era internet, mas muitos já queriam estar conectados, e nós estávamos prontos para ajudar.

O provedor evoluindo


O software utilizado


O WhatsUp Gold é um software de monitoramento de redes e infraestrutura de TI criado pela empresa Ipswitch, Inc. (fundada em 1991, nos EUA).

Ele surgiu justamente no início da expansão comercial da internet, quando empresas começavam a conectar servidores, roteadores e estações em redes locais (LANs) e precisavam saber quem estava online, o que estava funcionando e o que havia caído.

Durante os anos 90 e início dos 2000, o WhatsUp Gold se tornou uma das ferramentas mais populares entre administradores de rede Windows.

Ele era simples de instalar, leve, e rapidamente mostrava um “mapa vivo” da rede, atualizado automaticamente conforme novos dispositivos eram detectados.


Versões modernas

A tela de uma versão moderna do WuatsUP Gold


Hoje, o WhatsUp Gold continua ativo, agora sob a marca Progress Software, que comprou a Ipswitch em 2019.

Ele evoluiu para um sistema completo de monitoramento de infraestrutura, aplicações, nuvem e dispositivos IoT, oferecendo recursos avançados, como:

  • Painéis personalizáveis (dashboards web)
  • Interfaces modernas que permitem acompanhar o status da rede em tempo real.
  • Integração com Microsoft Azure e Amazon AWS
  • Monitoramento unificado de ambientes locais e em nuvem.
  • Monitoramento de tráfego de rede (Flow Monitor)
  • Acompanhamento detalhado do uso de banda e identificação de gargalos.
  • Alertas via e-mail, SMS e APIs
  • Notificações automáticas configuráveis para eventos críticos.
  • Relatórios históricos e gráficos de desempenho
  • Ferramentas para análise de tendências, capacidade e disponibilidade.

Apesar de todas as evoluções, o WhatsUp Gold manteve o mesmo nome e filosofia original:

mostrar de forma visual e imediata o que está funcionando e o que não está.


Agui mais episódios desta e outras historias:

https://erl4ever.blogspot.com/2021/05/minha-historia-com-internet.html

13 outubro 2025

PSPICE - Prrimeiro simulador de Circutos eletrônicos para computadores pessoais IBM,


Em janeiro de 1984, a MicroSim revolucionou o mundo da engenharia eletrônica ao lançar o PSpice, a primeira versão do simulador de circuitos SPICE adaptada para computadores pessoais IBM. Até então, simular circuitos complexos exigia acesso a mainframes caros e pouco acessíveis. O PSpice trouxe essa tecnologia poderosa diretamente para o desktop, permitindo que engenheiros e estudantes testassem, ajustassem e visualizassem circuitos de forma prática e rápida.


Imagem de IA ilustrativa

Mais do que uma simples ferramenta, o PSpice democratizou a simulação eletrônica, abrindo portas para uma nova geração de projetistas capazes de experimentar ideias sem depender de grandes laboratórios. Com o tempo, a ferramenta evoluiu para outras plataformas e sistemas operacionais, incluindo o Microsoft Windows.

A trajetória do PSpice também reflete a consolidação da indústria de software de engenharia: em 1998, a MicroSim foi adquirida pela OrCAD, que, em 1999, passou a fazer parte da Cadence Design Systems, transformando o PSpice em um padrão global em simulação de circuitos eletrônicos.

Na Prologica

Quando trabalhava na engenharia da Prologica. Um dia, neste mesmo ano, apareceu um disquete do PSpice.  Claro, não tinha interface gráfica e o resultado das simulações vinha em linhas de texto impressas, mostrando o comportamento das grandezas analisadas ao longo do tempo.

Nosso único exemplar não podia ser copiado. As cópias pareciam normais, mas simplesmente não rodavam. Percebi que a proteção era mecânica: em determinada posição do disco havia uma marca, um minúsculo furo, que danificava um ou mais setores. O software verificava este setor e, se conseguisse gravar nele, identificava como um disco não original.

Com paquímetro e transferidor, mapeei a posição exata dessa marca e, com um estilete, raspei o local em uma cópia que inicialmente não funcionava.

Pasmem: a cópia funcionou! 😲

A partir daí, não tínhamos mais medo de que um disquete original, danificado, “derrotasse” nosso trabalho.

O teclado capacitivo, que desenvolvi na Prologica, foi o primeiro projeto que usei com o PSpice como ferramenta de simulação. Graças a ele o teclado funcionou de primeira.


Teclado capacitivo do SP16 Prologica


03 outubro 2025

Entre Bits e Ondas: Quando Computadores Retrô e Radioamadores Digitais Se Encontram

 



Nos últimos anos, um fenômeno curioso vem crescendo silenciosamente: pessoas redescobrindo tecnologias antigas,  não por necessidade, mas por paixão.
De um lado, temos os entusiastas da computação clássica, que revivem máquinas lendárias como o Altair 8800, ZX Spectrum ou TRS-80 por meio de emuladores modernos e réplicas físicas.
Do outro, os radioamadores, que antes dependiam exclusivamente das ondas de rádio e hoje exploram redes digitais globais como a BrandMeister, usando DMR, D-Star e outros modos modernos.

À primeira vista, parecem dois hobbies completamente diferentes. Mas, olhando mais de perto, há um paralelo fascinante entre eles, e até alguns momentos bem curiosos.

 

Nostalgia: a centelha que reacende a paixão

Tanto no mundo da computação retrô quanto no radioamadorismo, tudo começa com um sentimento em comum: nostalgia.
Para quem viveu os primórdios da informática, ver um prompt piscando em um terminal CP/M ou ouvir o chiado de um drive de fita cassete é quase como abrir uma cápsula do tempo.
Já para os radioamadores, ligar um velho transceptor e ouvir o característico “CQ CQ” no éter desperta lembranças de quando cada contato era uma conquista, e não um simples clique num aplicativo.

 

Ferramentas modernas a serviço do passado

É curioso perceber como ambos os grupos usam tecnologias modernas para manter viva a experiência clássica:

  • Na computação retrô, em vez de caçar hardware antigo (caro e muitas vezes quebrado), muitos optam por emuladores precisos, como SimH, MAME ou implementações em Raspberry Pi. Há também os kits modernos, como o Altair Duino, que oferecem a experiência original com mais confiabilidade.
  • No radioamadorismo, modos digitais como DMR, D-Star, Fusion e redes como a BrandMeister permitem que um simples HT portátil se conecte ao mundo inteiro via internet, misturando RF local com backbone IP global.

E o melhor: hoje é possível, com equipamentos simples, de baixa potência e custo acessível, conversar com pessoas em todos os continentes.
Um pequeno rádio digital, um hotspot pessoal e uma conexão à internet já são suficientes para estabelecer QSOs internacionais, algo que, décadas atrás, exigiria antenas enormes, amplificadores caros e muita sorte com a propagação.

Ou seja, ninguém está preso ao passado, o passado é que está ganhando superpoderes modernos e democráticos.


Rádio portátil e Hotspot conectado a rede digital,  DMR, atrsvés da internet


Computadores da década de 80 em versões modernas emuladas. Ambos tem a metade do tamanho dos originais.



 Comunidade e experimentação: a alma dos hobbies

Esses mundos têm algo essencial em comum: comunidades apaixonadas.
Nos fóruns e grupos retrô, usuários trocam softwares antigos, recriam sistemas operacionais perdidos e compartilham truques de restauração.
Nos grupos de radioamadores, há “nets” regulares, discussões sobre antenas, propagação e agora, cada vez mais, sobre repetidores digitais e hotspots pessoais.

E é aí que aparecem algumas cenas bem divertidas.
Quem já acompanhou QSOs em redes digitais como BrandMeister provavelmente já presenciou situações em que o operador, no meio de uma conversa totalmente via internet, pergunta:

“Como está chegando meu sinal aí?”
Uma pergunta que fazia todo sentido no mundo analógico, mas que hoje, numa rede 100% digital e roteada por servidores, soa quase irônica. O “sinal” não chega forte ou fraco… ele chega perfeito ou não chega.
É como se alguém, em uma chamada de vídeo, perguntasse se a voz está “chegando com boa propagação ionosférica”! 😄

 

Mapa da rede de radioamadorismo BandMeister

Caminho, simplificado, de uma conexão digital de radioamadorismo


Tradição e inovação, lado a lado

Talvez a parte mais bonita desse paralelo seja ver que tradição e inovação não se excluem, elas se complementam.
Um computador de 1977 pode hoje rodar em um emulador dentro de um navegador, e um rádio simples pode conversar com o outro lado do mundo usando DMR e internet.
Essas combinações criam novas formas de viver hobbies antigos, sem perder o charme original.

 



Presente

Passado

Cena do filme Alta frequência

O filme que o radioamador fala com o passado  "Alta Frequência" (Frequency), de 2000. A trama acompanha um policial que, através de um aparelho de rádio do seu falecido pai, consegue se comunicar com o passado, com o próprio pai que viveu no passado. https://www.imdb.com/pt/title/tt0186151/


Construíndo computadores do passado com emuladores

Altair 8800: https://erl4ever.blogspot.com/2025/04/computador-altari-8800-na-versao-nanico.html

PROLOGICA CP200: https://erl4ever.blogspot.com/2023/01/prologica-cp200-nanico.html

PROLOGICA CP500: https://erl4ever.blogspot.com/2017/01/meu-cp500-prologica-na-versao-nanico.html


Radioamadorismo, minha trajetória

https://erl4ever.blogspot.com/2023/10/radioamador.html


Conclusão

No fundo, tanto os entusiastas da computação retrô quanto os radioamadores modernos compartilham o mesmo espírito: explorar, preservar e reinventar.
Seja digitando comandos em BASIC ou fazendo QSO por uma rede digital com um radinho simples, o objetivo é o mesmo, manter viva a curiosidade tecnológica e criar pontes entre o passado e o presente.

E, convenhamos: há algo de especial em ver tecnologia antiga e moderna coexistindo, às vezes de forma até engraçada. É a prova de que, quando a paixão é verdadeira, a inovação não apaga a história, ela a amplia.


assadvassado.o.