14 outubro 2025

Com o olho no peixe e o outro no gato!

 

Em 1996, logo após os primeiros portais de internet começarem a se estabelecer no Brasil, fui indicado pelo amigo José Roberto para implantar uma plataforma de BBS (Bulletin Board System) na World Access Communications do Brasil (WAC),  uma empresa que atuava no mercado de ligações telefônicas internacionais pelo sistema de Call Back.

Durante a entrevista com a diretoria, sugeri que abandonassem a ideia da BBS. A Internet, argumentei, logo tornaria essa tecnologia obsoleta. Em vez disso, propus apresentar um projeto completo para implantação de um provedor de acesso à internet. Disse que em uma semana entregaria um Business Plan para o serviço.

Naquela época, meu conhecimento sobre internet era limitado, o mesmo que os primeiros usuários brasileiros possuíam. As pesquisas eram lentas e restritas, feitas através de conexões discadas precárias. Mesmo assim, nas poucas horas da noite em que minha a linha telefônica estava livre, consegui encontrar um documento da Embratel que explicava como montar provedores de internet.

Depois de algumas noites em claro, preparei um plano detalhado, abordando os aspectos técnicos, práticos e financeiros do projeto. O resultado agradou, e fui contratado.


O desafio de fazer tudo sozinho


No início, eu era literalmente a única pessoa na operação. Ficava responsável por montar toda a estrutura do provedor, tratar com a Embratel e a Telefônica, treinar vendedores e ainda resolver os problemas técnicos dos clientes.

O início do provedor WAC

Um dos maiores desafios era monitorar a rede, nos finais de semana quando estava em minha casa, sem depender da linha discada para acessar os servidores. Foi então que tive uma ideia: conectar dois modems Modem US Robotics Courier v.Everything  por meio de uma linha privada dedicada à voz entre meu apartamento e o CPD da empresa.
 
Modem US Robotics Courier v.Everything

Essas linhas privadas nada mais eram do que um par de fios conectando dois pontos, serviço que a Telefônica fornecia na época. Configurei os modems para manter uma conexão estável de 33.6 Kbps, uma velocidade impressionante para aquele tempo.

De repente, eu tinha uma conexão ininterrupta à internet, que me permitia acompanhar o status do provedor e ainda navegar “de graça” de casa.

A imagem abaixo ilustra bem como eram minhas manhãs de domingo: um olho no peixe e outro no gato, parte relaxando, parte monitorando o sistema.


Um olho no peixe e o outro no gato!


Um sistema interno que se tornou um serviço


O sistema ficou tão eficiente que começamos a vender a solução para alguns clientes corporativos. Na época, poucos sabiam o que era internet, mas muitos já queriam estar conectados, e nós estávamos prontos para ajudar.

O provedor evoluindo


O software utilizado


O WhatsUp Gold é um software de monitoramento de redes e infraestrutura de TI criado pela empresa Ipswitch, Inc. (fundada em 1991, nos EUA).

Ele surgiu justamente no início da expansão comercial da internet, quando empresas começavam a conectar servidores, roteadores e estações em redes locais (LANs) e precisavam saber quem estava online, o que estava funcionando e o que havia caído.

Durante os anos 90 e início dos 2000, o WhatsUp Gold se tornou uma das ferramentas mais populares entre administradores de rede Windows.

Ele era simples de instalar, leve, e rapidamente mostrava um “mapa vivo” da rede, atualizado automaticamente conforme novos dispositivos eram detectados.


Versões modernas

A tela de uma versão moderna do WuatsUP Gold


Hoje, o WhatsUp Gold continua ativo, agora sob a marca Progress Software, que comprou a Ipswitch em 2019.

Ele evoluiu para um sistema completo de monitoramento de infraestrutura, aplicações, nuvem e dispositivos IoT, oferecendo recursos avançados, como:

  • Painéis personalizáveis (dashboards web)
  • Interfaces modernas que permitem acompanhar o status da rede em tempo real.
  • Integração com Microsoft Azure e Amazon AWS
  • Monitoramento unificado de ambientes locais e em nuvem.
  • Monitoramento de tráfego de rede (Flow Monitor)
  • Acompanhamento detalhado do uso de banda e identificação de gargalos.
  • Alertas via e-mail, SMS e APIs
  • Notificações automáticas configuráveis para eventos críticos.
  • Relatórios históricos e gráficos de desempenho
  • Ferramentas para análise de tendências, capacidade e disponibilidade.

Apesar de todas as evoluções, o WhatsUp Gold manteve o mesmo nome e filosofia original:

mostrar de forma visual e imediata o que está funcionando e o que não está.


Agui mais episódios desta e outras historias:

https://erl4ever.blogspot.com/2021/05/minha-historia-com-internet.html

13 outubro 2025

PSPICE - Prrimeiro simulador de Circutos eletrônicos para computadores pessoais IBM,


Em janeiro de 1984, a MicroSim revolucionou o mundo da engenharia eletrônica ao lançar o PSpice, a primeira versão do simulador de circuitos SPICE adaptada para computadores pessoais IBM. Até então, simular circuitos complexos exigia acesso a mainframes caros e pouco acessíveis. O PSpice trouxe essa tecnologia poderosa diretamente para o desktop, permitindo que engenheiros e estudantes testassem, ajustassem e visualizassem circuitos de forma prática e rápida.


Imagem de IA ilustrativa

Mais do que uma simples ferramenta, o PSpice democratizou a simulação eletrônica, abrindo portas para uma nova geração de projetistas capazes de experimentar ideias sem depender de grandes laboratórios. Com o tempo, a ferramenta evoluiu para outras plataformas e sistemas operacionais, incluindo o Microsoft Windows.

A trajetória do PSpice também reflete a consolidação da indústria de software de engenharia: em 1998, a MicroSim foi adquirida pela OrCAD, que, em 1999, passou a fazer parte da Cadence Design Systems, transformando o PSpice em um padrão global em simulação de circuitos eletrônicos.

Na Prologica

Quando trabalhava na engenharia da Prologica. Um dia, neste mesmo ano, apareceu um disquete do PSpice.  Claro, não tinha interface gráfica e o resultado das simulações vinha em linhas de texto impressas, mostrando o comportamento das grandezas analisadas ao longo do tempo.

Nosso único exemplar não podia ser copiado. As cópias pareciam normais, mas simplesmente não rodavam. Percebi que a proteção era mecânica: em determinada posição do disco havia uma marca, um minúsculo furo, que danificava um ou mais setores. O software verificava este setor e, se conseguisse gravar nele, identificava como um disco não original.

Com paquímetro e transferidor, mapeei a posição exata dessa marca e, com um estilete, raspei o local em uma cópia que inicialmente não funcionava.

Pasmem: a cópia funcionou! 😲

A partir daí, não tínhamos mais medo de que um disquete original, danificado, “derrotasse” nosso trabalho.

O teclado capacitivo, que desenvolvi na Prologica, foi o primeiro projeto que usei com o PSpice como ferramenta de simulação. Graças a ele o teclado funcionou de primeira.


Teclado capacitivo do SP16 Prologica


03 outubro 2025

Entre Bits e Ondas: Quando Computadores Retrô e Radioamadores Digitais Se Encontram

 



Nos últimos anos, um fenômeno curioso vem crescendo silenciosamente: pessoas redescobrindo tecnologias antigas,  não por necessidade, mas por paixão.
De um lado, temos os entusiastas da computação clássica, que revivem máquinas lendárias como o Altair 8800, ZX Spectrum ou TRS-80 por meio de emuladores modernos e réplicas físicas.
Do outro, os radioamadores, que antes dependiam exclusivamente das ondas de rádio e hoje exploram redes digitais globais como a BrandMeister, usando DMR, D-Star e outros modos modernos.

À primeira vista, parecem dois hobbies completamente diferentes. Mas, olhando mais de perto, há um paralelo fascinante entre eles, e até alguns momentos bem curiosos.

 

Nostalgia: a centelha que reacende a paixão

Tanto no mundo da computação retrô quanto no radioamadorismo, tudo começa com um sentimento em comum: nostalgia.
Para quem viveu os primórdios da informática, ver um prompt piscando em um terminal CP/M ou ouvir o chiado de um drive de fita cassete é quase como abrir uma cápsula do tempo.
Já para os radioamadores, ligar um velho transceptor e ouvir o característico “CQ CQ” no éter desperta lembranças de quando cada contato era uma conquista, e não um simples clique num aplicativo.

 

Ferramentas modernas a serviço do passado

É curioso perceber como ambos os grupos usam tecnologias modernas para manter viva a experiência clássica:

  • Na computação retrô, em vez de caçar hardware antigo (caro e muitas vezes quebrado), muitos optam por emuladores precisos, como SimH, MAME ou implementações em Raspberry Pi. Há também os kits modernos, como o Altair Duino, que oferecem a experiência original com mais confiabilidade.
  • No radioamadorismo, modos digitais como DMR, D-Star, Fusion e redes como a BrandMeister permitem que um simples HT portátil se conecte ao mundo inteiro via internet, misturando RF local com backbone IP global.

E o melhor: hoje é possível, com equipamentos simples, de baixa potência e custo acessível, conversar com pessoas em todos os continentes.
Um pequeno rádio digital, um hotspot pessoal e uma conexão à internet já são suficientes para estabelecer QSOs internacionais, algo que, décadas atrás, exigiria antenas enormes, amplificadores caros e muita sorte com a propagação.

Ou seja, ninguém está preso ao passado, o passado é que está ganhando superpoderes modernos e democráticos.


Rádio portátil e Hotspot conectado a rede digital,  DMR, atrsvés da internet


Computadores da década de 80 em versões modernas emuladas. Ambos tem a metade do tamanho dos originais.



 Comunidade e experimentação: a alma dos hobbies

Esses mundos têm algo essencial em comum: comunidades apaixonadas.
Nos fóruns e grupos retrô, usuários trocam softwares antigos, recriam sistemas operacionais perdidos e compartilham truques de restauração.
Nos grupos de radioamadores, há “nets” regulares, discussões sobre antenas, propagação e agora, cada vez mais, sobre repetidores digitais e hotspots pessoais.

E é aí que aparecem algumas cenas bem divertidas.
Quem já acompanhou QSOs em redes digitais como BrandMeister provavelmente já presenciou situações em que o operador, no meio de uma conversa totalmente via internet, pergunta:

“Como está chegando meu sinal aí?”
Uma pergunta que fazia todo sentido no mundo analógico, mas que hoje, numa rede 100% digital e roteada por servidores, soa quase irônica. O “sinal” não chega forte ou fraco… ele chega perfeito ou não chega.
É como se alguém, em uma chamada de vídeo, perguntasse se a voz está “chegando com boa propagação ionosférica”! 😄

 

Mapa da rede de radioamadorismo BandMeister

Caminho, simplificado, de uma conexão digital de radioamadorismo


Tradição e inovação, lado a lado

Talvez a parte mais bonita desse paralelo seja ver que tradição e inovação não se excluem, elas se complementam.
Um computador de 1977 pode hoje rodar em um emulador dentro de um navegador, e um rádio simples pode conversar com o outro lado do mundo usando DMR e internet.
Essas combinações criam novas formas de viver hobbies antigos, sem perder o charme original.

 



Presente

Passado

Cena do filme Alta frequência

O filme que o radioamador fala com o passado  "Alta Frequência" (Frequency), de 2000. A trama acompanha um policial que, através de um aparelho de rádio do seu falecido pai, consegue se comunicar com o passado, com o próprio pai que viveu no passado. https://www.imdb.com/pt/title/tt0186151/


Construíndo computadores do passado com emuladores

Altair 8800: https://erl4ever.blogspot.com/2025/04/computador-altari-8800-na-versao-nanico.html

PROLOGICA CP200: https://erl4ever.blogspot.com/2023/01/prologica-cp200-nanico.html

PROLOGICA CP500: https://erl4ever.blogspot.com/2017/01/meu-cp500-prologica-na-versao-nanico.html


Radioamadorismo, minha trajetória

https://erl4ever.blogspot.com/2023/10/radioamador.html


Conclusão

No fundo, tanto os entusiastas da computação retrô quanto os radioamadores modernos compartilham o mesmo espírito: explorar, preservar e reinventar.
Seja digitando comandos em BASIC ou fazendo QSO por uma rede digital com um radinho simples, o objetivo é o mesmo, manter viva a curiosidade tecnológica e criar pontes entre o passado e o presente.

E, convenhamos: há algo de especial em ver tecnologia antiga e moderna coexistindo, às vezes de forma até engraçada. É a prova de que, quando a paixão é verdadeira, a inovação não apaga a história, ela a amplia.


assadvassado.o.


15 setembro 2025

O Projeto Ciranda e o encanto do CP-500 da Prológica

 


Quem viveu os anos 80 sabe: computador era sinônimo de futuro. Só de ouvir a palavra “microinformática” já batia um frio na barriga, como se estivéssemos prestes a entrar em um mundo novo. E foi nesse clima de descobertas que surgiu o Projeto Ciranda da Telesp.

A ideia era simples e, ao mesmo tempo, revolucionária: levar computadores para as escolas e mostrar às crianças que aquelas máquinas misteriosas poderiam ser grandes aliadas no aprendizado. De repente, salas que antes só tinham giz, quadro e cadernos passaram a ter algo totalmente diferente — uma fileira de máquinas barulhentas, com telas que piscavam em verde e preto, esperando para serem exploradas.

E no centro dessa revolução estava ele: o CP-500 da Prológica.
Um orgulho nacional. Um microcomputador fabricado no Brasil, compatível com o TRS-80, mas com sotaque brasileiro. Quem estudou em uma dessas salas sabe o impacto que era ligar o CP-500, esperar o barulho do drive de disquete ou do gravador de fita, e ver na tela o prompt do BASIC piscando, como se dissesse: “Estou pronto. O que você quer criar hoje?”

Para muitos, aquele foi o primeiro contato com programação.
Quantas vezes não digitamos linhas e mais linhas de 10 PRINT “OLA” / 20 GOTO 10, só para encher a tela de palavras repetidas? Parecia mágica. O computador obedecia a gente. Era como conversar com uma inteligência diferente, mas obediente e paciente.

O Projeto Ciranda foi mais do que aulas de informática: foi a primeira chance de sonhar com um futuro digital. Muitos dos profissionais de hoje, que trabalham com tecnologia, deram os primeiros passos em uma dessas salas. O Ciranda mostrou que computadores não eram apenas para empresas ou para poucos privilegiados — eram para todos, até para crianças de escola pública.

O CP-500, com sua carcaça robusta e seu jeitão sério, acabou virando símbolo de uma época em que o Brasil acreditava que podia criar sua própria tecnologia. Ele estava lá, presente em escolas, cursos, clubes e centros comunitários, ajudando a escrever a história de toda uma geração.

Hoje, olhar para trás dá uma pontinha de saudade. Daquele tempo em que cada comando digitado era uma descoberta. Em que computadores eram raros, mas cheios de possibilidades. E em que projetos como o Ciranda mostravam que, sim, o futuro poderia ser inventado aqui mesmo, no Brasil, com um teclado, uma tela verde e muita curiosidade.

 No Projeto Ciranda, a experiência começava já na chegada ao laboratório. O aluno sentava diante do CP-500, um computador que parecia coisa de outro planeta. Para “entrar” no Ciranda, não havia internet como hoje — a conexão era com o próprio sistema da Telesp, feito por meio de terminais e linhas telefônicas dedicadas, que ligavam as escolas e centros comunitários aos servidores centrais.

Era comum ouvir o barulho característico dos modems discando ou ver os técnicos cuidando da linha para garantir que o sinal estivesse estável. Muitas vezes, o acesso era feito por meio de um terminal CP-500 rodando BASIC, que se conectava ao sistema da Telesp. Ali, os alunos podiam explorar programas educativos, jogos de lógica, exercícios de português e matemática, tudo rodando em rede.

Para quem usava, parecia pura mágica: digitar alguns comandos, ouvir o chiado da conexão pela linha telefônica e, de repente, estar “dentro” do Ciranda. Era como abrir uma porta invisível para um mundo de conhecimento que não estava gravado no disquete da escola, mas sim em um sistema remoto, compartilhado por várias unidades.

Essa forma de conexão foi um dos maiores diferenciais do Ciranda. Não era apenas um curso de informática: era uma rede de aprendizado, interligando escolas, professores e estudantes. Para muitos, foi o primeiro contato com a ideia de “estar conectado”, algo que décadas depois se tornaria rotina com a internet.


Revista Micro Sistemas (junho/82) 





10 setembro 2025

Memórias de Fábrica: Tocadiscos Gallileu e o Fascínio pelos Technics

 Em 1978 e 1979, trabalhei na NIKO do Brasil, em São Paulo. A empresa, de origem argentina, era responsável por importar para o Brasil os tocadiscos Gallileu, fabricados na Argentina. Esses tocadiscos eram parte integrante dos famosos aparelhos 3 em 1 National SS8000, muito populares na época.


Tocadiscos Gallileu ( Imagem da Internet )

National SS8000 ( Imagem da Internet )

National, marca pertencente à japonesa Matsushita Electric Industrial Co., tinha sua fábrica instalada em São José dos Campos – SP. Além da linha National, a unidade também produzia no Brasil os lendários equipamentos da marca Technics, objetos de desejo de muitos apaixonados por som

Lendario Technics SL-1200 MK2, lançado em 1979 ( imagem da Internet )

Amplificador intergrado Technics SU-7300, do final da década de 70 (  Imagem da Internet


Na NIKO, meu trabalho era consertar os tocadiscos Gallileu que chegavam com defeito na linha de montagem. Eventualmente, eu também viajava até a fábrica da National, em São José dos Campos, para corrigir problemas diretamente na produção da Matsushita. Eram dias puxados: havia semanas em que eu consertava mais de 500 aparelhos. A prática intensa acabou me fazendo decorar de memória o código de todas as peças mecânicas desses tocadiscos.

E, confesso, cada vez que entrava na linha de produção da Matsushita, eu ficava simplesmente encantado com os equipamentos Technics. Era impossível não admirar aquelas máquinas que, para mim, representavam o que havia de mais avançado e sofisticado no mundo do áudio.


06 setembro 2025

Baby Boomers e computadores no Brasil



Se você nasceu entre 1946 e 1964, parabéns: você faz parte da geração Baby Boomer. No Brasil, esses anos foram de crescimento, industrialização e… muita curiosidade pelo que o futuro traria. Mas uma coisa era certa: quando nós,  eramos jovens, computador era coisa de ficção científica.

Quando os computadores chegaram

Nos anos 60 e 70, os computadores começaram a aparecer no Brasil, mas não eram aqueles laptops bonitinhos que a gente mexe hoje. Estamos falando de gigantes que ocupavam salas inteiras e precisavam de técnicos para ligar. A maioria dos Boomers olhava aquilo e pensava: “Isso nunca vai entrar no meu dia a dia.”

Anos 80: os microcomputadores chegam




Eu no laboratório da Revista Nova Eletrônica em 1979

Aí vieram os microcomputadores, Apple II, TRS-80, IBM PC. Eles eram mais “amigáveis”, mas ainda caríssimos. Quem tinha um na empresa ou na universidade era considerado quase um mago da tecnologia.

Para os Boomers, o computador não era brinquedo: era trabalho sério. Planilhas, processadores de texto e sistemas internos eram desafios enormes. Muitos precisaram aprender na marra, e algumas histórias dão até vontade de rir:

  • Digitando à mão cartas de clientes porque “o computador travou de novo”.
  • Gastando horas para salvar um arquivo em floppy disk de 8 ou  5 ¼ polegadas.
  • Chamando o técnico de informática toda vez que o computador fazia barulhos estranhos, tipo “bip… bip… bip”… e você tinha certeza que ele ia explodir.

A ponte entre o analógico e o digital

Apesar de toda dificuldade, os Boomers foram a ponte entre o mundo analógico e digital. Eles viram de tudo: da máquina de escrever ao Windows, passando por planilhas gigantes que pareciam mais quebra-cabeças.

Aprender a mexer em computadores foi, para muitos, uma questão de sobrevivência profissional  e de orgulho: quem dominava a máquina na empresa, ganhava status instantâneo.


Minha filha cunhado e sobrinhos na principal atração da sala, nos anos 90

Resumo

Os Boomers brasileiros foram pioneiros da informática sem nem sonhar que isso ia dominar nossas vidas. Eles foram os primeiros a ensinar “como mexer nesse bicho” para colegas e filhos, criando a ponte entre o mundo de papel e o mundo informatizado.


04 setembro 2025

Projeto e instalação de casas de Bingo nos anos 90

 

Teclado de membrana da mesa de controle (tenho o protótipo até hoje)

Em meados da década de 1990, após a legalização dos bingos por meio da chamada Lei Zico, fui contratado por um arquiteto envolvido na montagem de casas de bingo para investigar por que um grupo de engenheiros, responsáveis pelo projeto eletrônico e pelo software do sistema, não conseguia fazer seu próprio projeto funcionar.

Aceitei o desafio e passei alguns dias infiltrado na equipe, sem que soubessem do meu real objetivo ou das minhas habilidades. Após cerca de 15 dias, consegui identificar os problemas do projeto. Fui então oficialmente contratado para resolver a situação, e todos os engenheiros anteriores foram dispensados.

Na época, existia apenas um protótipo funcional, mas com funcionamento instável. Como já havia clientes com instalações em reforma para receber os equipamentos, não havia tempo para iniciar um novo projeto do zero. A solução mais viável foi “remendar” o projeto existente para que funcionasse minimamente bem.

Para quem não conhece, por trás de uma instalação comercial de bingo havia uma mesa de controle da extração, equipada com computador, monitores para câmeras, sistema de som, impressora, controlador de painéis e da bingueira (o equipamento onde as bolinhas eram sorteadas). Esses equipamentos eram operados manualmente, os painéis, a bingueira e as câmeras, todos acionados por chaves físicas.

No computador, havia um banco de dados e um software de controle. O banco de dados continha o layout de todas as cartelas já impressas em papel e numeradas.

A comunicação entre a mesa e os painéis, bem como com a bingueira, era feita através de placas com várias interfaces paralelas conectadas a cabos telefônicos múltiplos do tipo KS, um cabo para cada painel e para a bingueira. As distâncias chegavam a ultrapassar 30 metros. Imagine só: sinais TTL viajando por todo esse caminho!

No final (ou melhor, no começo) dessa história, consegui modificar o hardware e fazê-lo funcionar, mais ou menos.

A primeira instalação

A primeira instalação aconteceu em uma casa montada em um antigo cinema desativado na cidade de Araraquara, interior de São Paulo. Após muito trabalho para instalar tudo — incluindo cinco painéis com displays de sete segmentos feitos com lâmpadas incandescentes (não existiam displays de LED grandes para o projeto), instalados a cinco metros de altura,  começamos os primeiros testes de extração.

Já na véspera da inauguração, percebi que a tabela do banco de dados não coincidia com as cartelas já impressas pela gráfica. Como não havia tempo hábil para uma nova impressão, a única alternativa foi alterar o banco de dados. O problema é que o programador estava em São Paulo, e ainda não existia internet por lá.

Tive que abrir três caixas de cartelas, anotar manualmente a disposição dos números de cada uma delas em um arquivo de texto e passei a madrugada inteira acordado fazendo esse trabalho.

Na manhã seguinte, improvisei a logística: coloquei o arquivo em um disquete, paguei um motorista de ônibus para levá-lo até São Paulo. O programador buscou o disquete na rodoviária, corrigiu o banco de dados, gravou em outro disquete e me enviou de volta, também de ônibus.

Quando o disquete chegou a Araraquara, faltavam poucas horas para a inauguração. Por muita sorte, tudo funcionou.

Depois disso, ainda instalei mais três casas com esse mesmo hardware, até que comecei um novo projeto, com software feito em Visual Basic e hardware mais enxuto, moderno, e de operação automatizada, utilizando comunicação serial via RS-485.

Infelizmente, não tenho documentos nem fotos dessa empreitada, apenas um exemplar do teclado de membrana que seria utilizado nesse novo projeto. Abaixo um exemplo de casa de bingo da época e o exemplar, que tenho ainda hoje, do teclado do novo projeto.


Casa de Bingo nos anos 90 (imagem da internet)


Retro Terminal: Nostalgia com Tecnologia Moderna

 

Inspirado nos clássicos terminais VT100 da Digital, decidi dar vida a um projeto que unisse nostalgia e tecnologia: o terminal NANICO com visual retrô. Tudo começou depois de construir meus próprios computadores Altair 8800 NANICOS, e a ideia de criar um terminal personalizado logo ganhou forma.

Link do Altair 8800 NANICO:  https://erl4ever.blogspot.com/2025/04/computador-altari-8800-na-versao-nanico.html





Terminal VT100 da Digital de 1978

O primeiro protótipo combinava um Raspberry Pi com um monitor LCD de 9" na proporção 4:3, recriando a sensação dos terminais antigos. Já o segundo exemplar, feito sob encomenda para uso como console de jogos retro, adotou um monitor de 7" no formato 16:9, mais compacto, moderno e fácil de encontrar no mercado.

Comparação entre as duas versões




Graças ao Raspberry Pi, o terminal NANICO não é apenas bonito, mas também extremamente versátil. É possível usá-lo para diversos fins: basta trocar o cartão SD e rodar qualquer software compatível com o Pi. Essa flexibilidade abre um mundo de possibilidades para entusiastas de tecnologia, programação e até jogos retrô.

E não para por aí: o terminal vem equipado com um teclado mecânico gamer com iluminação programável, que pode ser destacado do gabinete, oferecendo conforto e praticidade para longas sessões de uso. Uma combinação perfeita entre design retrô e funcionalidades modernas, capaz de encantar qualquer fã de tecnologia clássica.
































27 agosto 2025

A produção de computadores no Brasil dos anos 1980

 

A década de 1980 marcou um período singular para a indústria de tecnologia no Brasil. Naquele contexto, as fábricas de computadores nacionais eram verdadeiros polos de inovação, mas operavam de forma muito diferente das linhas de produção altamente automatizadas que conhecemos hoje.

O vídeo em questão ilustra bem essa realidade: a fabricação de computadores era essencialmente manual, com grande participação de técnicos especializados que montavam cada equipamento peça por peça, realizando soldagens, testes e ajustes individualizados.

A fábrica da Microtec, retratada nas imagens, guarda semelhanças notáveis com a histórica unidade da Prológica, localizada na Avenida Santa Catarina, em São Paulo. Essas empresas foram pioneiras no desenvolvimento e fabricação de computadores nacionais, desempenhando papel fundamental no fortalecimento do setor de tecnologia durante a chamada Reserva de Mercado de Informática, que buscava impulsionar a produção local e reduzir a dependência de importações.

Essas imagens não apenas revelam o cuidado e a dedicação envolvidos na produção da época, mas também resgatam um capítulo importante da história da informática brasileira, quando a criatividade e a engenharia manual deram os primeiros passos rumo à digitalização do país.


Programa Plantão da Madrugada e a linha de produção da Microtec em 1986


Edifício onde operava a fábrica da Prológica no final dos anos 70.
Foto recente, a esquerda a fabrica, a direita a redaçãoe e laboratório da Revista Nova Eletrônica.









21 agosto 2025

O Encerramento da Produção do microprocessador Z80

 

O Fim de uma era na história da computação

 


Meu exemprar mais bonito do Z80A CPU

Em julho de 2025, a Zilog anunciou oficialmente o encerramento da produção do microprocessador Z80, um dos chips mais icônicos e longevos da história da eletrônica. Após quase 50 anos de atividade ininterrupta, chega ao fim a trajetória de um componente que marcou gerações de engenheiros, entusiastas e empresas de tecnologia.

 

A História do Z80

Lançado em 1976, o Z80 foi projetado por ex-engenheiros da Intel, que participaram do desenvolvimento do 8080. Compatível em grande parte com o 8080, mas trazendo recursos adicionais, como mais instruções, registradores extras e modos de interrupção mais sofisticados, o Z80 rapidamente ganhou espaço.
Sua popularidade se deveu não apenas ao custo competitivo, mas também à facilidade de implementação em projetos, já que integrava controladores que simplificavam o design de sistemas.

 

Versatilidade: Do Hobby ao Industrial

Um dos aspectos mais fascinantes do Z80 foi sua versatilidade. Ele estava presente em. kits para iniciantes que queriam aprender programação em linguagem de máquina ou eletrônica digital, mas também equipava sistemas avançados usados em telecomunicações, controle industrial e até equipamentos médicos.
Sua documentação clara e a grande comunidade em torno do chip o transformaram em um verdadeiro laboratório de aprendizado, sendo até hoje utilizado em projetos de ensino e retrocomputação.

Meu primeiro contato prático com o Z80 foi, ainda no laboratório da Revista Nova Eletrônica, no projeto do computador NE Z80. Deste então trabalhei com ele em inúmeros projetos, tanto profissionais como pessoais.

 

Onde o Z80 Fez História

Ao longo de décadas, o Z80 foi o cérebro de máquinas que marcaram época, como:

  • Computadores pessoais dos anos 70 e 80
    • TRS-80 (Tandy Radio Shack)
    • ZX Spectrum (Sinclair)
    • Amstrad CPC
    • MSX (padrão de computadores domésticos)
    • Osborne 1 (um dos primeiros portáteis)
  • Videogames e consoles
    • ColecoVision
    • SEGA Master System
    • Game Boy (Nintendo, como processador auxiliar)
  • Calculadoras e equipamentos industriais
    • Calculadoras gráficas da Texas Instruments (como TI-83 e TI-84 em versões mais antigas)
    • Sistemas de controle telefônico e automação
  • Equipamentos Brasileiros com Z80    

O Z80 também teve uma história rica no Brasil, especialmente durante a época da reserva de mercado da informática (anos 80 e início dos 90). Nesse período, muitas empresas nacionais produziram microcomputadores baseados nesse processador, tanto inspirados em modelos internacionais quanto em projetos próprios. Eis alguns exemplos marcantes:

    • MSX nacionais
      O padrão MSX, que usava o Z80 como processador central, foi bastante difundido no Brasil.
    • Gradiente Expert e Gradiente Expert Plus
    • Sharp Hotbit
      Esses micros marcaram época e foram muito usados para jogos, educação e até em escolas técnicas.
    • TK (Microdigital)
      Inspirados nos ZX Spectrum e outros modelos, os computadores da Microdigital fizeram história:
    • TK85, TK90X e TK95 – todos baseados no Z80 e bastante populares como computadores domésticos.
  • Prologica
    A Prologica foi outra gigante nacional que adotou o Z80:
Esquema de um dos computadores da Prologica

    • CP300 e CP500 – compatíveis com TRS-80 da Tandy, bastante usados em escritórios, escolas e pequenas empresas.
    • NE Z80, NE Z800 e CP200 – Compativeis com a linha ZX da Sinclar
    • Sistema 700 - Compatível com o Intertec Superbrain
  • Outros fabricantes
    • Dismac D8000 – compatível com TRS-80, voltado ao mercado corporativo.
  • CCE MC-1000 – um computador mais acessível, também baseado no Z80.

 

A Importância no Brasil

Esses micros foram a porta de entrada para a informática no país. Muitas pessoas que se tornaram engenheiros, programadores e técnicos começaram a programar em BASIC ou até em assembly de Z80 nesses computadores.
Além disso, eles mostraram a força da indústria nacional em uma época em que importar tecnologia era difícil e caro.

O Z80 ainda foi amplamente usado como processador secundário em placas de arcade, auxiliando no controle de som e periféricos.

 

O Legado

Mesmo com seu ciclo produtivo terminando, o Z80 deixa um legado imenso. Ele foi um divisor de águas na computação acessível, ajudando a formar gerações de programadores e engenheiros. Hoje, sua presença continua viva em simuladores, em projetos educacionais e no movimento maker, que encontra no Z80 uma porta de entrada acessível para entender a arquitetura de computadores.

O encerramento de sua produção representa o fim de uma era, mas não o fim de sua relevância. O Z80 seguirá como parte da história da tecnologia, lembrado como um chip que uniu simplicidade, versatilidade e durabilidade incomparáveis.