28 janeiro 2025

ALÉM DA ELETRONICA UMA PAIXÃO NO INÍCIO DOS ANOS 70: O AUTORAMA!

 

Hoje, 28/01/2025, precisei ir até Santos – SP, cidade onde minha família viveu durante 12 anos. Com receio das pancadas de chuva, cheguei muito adiantado ao meu compromisso e resolvi dar uma longa "volta" pelo bairro do Gonzaga, onde vivemos nas décadas de 1960 e 1970. Este lugar sempre me traz muitas lembranças boas, e nunca se esgotam as possibilidades de reviver uma infância repleta de histórias para contar.

Ao passar pela Avenida Marechal Floriano Peixoto, ao lado do Shopping Miramar, deparei-me com a loja de brinquedos "Xicko’s", cujo nome imediatamente despertou minhas memórias. Não me contive, entrei para dar uma olhada e perguntei a uma funcionária, que me pareceu ser a gerente, se aquela loja tinha alguma relação com a loja do "Seu Chico dos autoramas", que eu frequentava na década de 1970.


Xicko’s na Avenida Marechal Floriano Peixoto

A funcionária, cujo nome, por distração, não perguntei, confirmou que sim. Explicou-me que a loja pertencia à mesma família que criou a Hobbies Modelo, um estabelecimento que eu costumava frequentar na infância. Ela informou que, no mesmo local onde funcionava a Hobbies Modelo, na Rua Azevedo Sodré, atualmente encontra-se a matriz da Xicko’s Brinquedos, embora agora voltada para um público mais amplo e não mais especializada em modelismo e autoramas.

É claro que eu não poderia perder a oportunidade de visitar o local original da Hobbies Modelo, situado na Rua Azevedo Sodré, quase na esquina com o Canal 3.

 

Xicko’s Brinquedos, na Rua Azevedo Sodré, hoje
 
O interior da loja, na Rua Azevedo Sodré


Uma breve história da Hobbyes Modelos e da Xicko’s Brinquedos

Em Santos, litoral de São Paulo, há histórias que transcendem gerações e permanecem vivas na memória coletiva. Uma dessas histórias é a da Hobbies Modelo, que mais tarde se tornaria a icônica Xicko’s Brinquedos. Mais do que um simples ponto comercial, foi um espaço de sonhos e de conexão entre pais, filhos e entusiastas do universo lúdico.

A Hobbies Modelo surgiu como uma loja especializada em miniaturas, maquetes e brinquedos diferenciados. Seu espaço ocupava um imóvel onde, desde 1930, funcionava um empório criado pelo comerciante Nemesio Barros e sua esposa, Lucinda Rocha, na esquina das ruas Azevedo Sodré e Jorge Tibiriçá.




Na década de 1950, o casal Barros já tinha uma filha, Rosália, que se casou com o jovem Fernando Menezes Barbosa. Após o falecimento do patriarca da família, o casal decidiu assumir o empório, mas optou por mudar o ramo do negócio, deixando para trás os produtos de "secos e molhados" para ingressar em um novo segmento. Fernando explorou diversas alternativas até perceber que sua paixão pessoal pelo modelismo, especialmente trens elétricos, poderia se tornar um negócio promissor e, de fato, tornou-se.

No final da década de 1950, o casal resolveu trazer dos Estados Unidos o Autorama, um tipo de modelismo que já era febre entre os americanos. A pista montada na loja da Azevedo Sodré, em Santos, foi uma das primeiras do Brasil, uma vez que o brinquedo só passou a ser comercializado em larga escala a partir de 1963 pela Mobral Modelismo, de São Paulo. No ano seguinte, a Estrela passou a fabricá-lo no Brasil sob licença da Gilbert, empresa que produzia pistas e carrinhos nos EUA.

A Hobbyes rapidamente se tornou referência em Santos para os entusiastas do Autorama, uma paixão que dominaria a década de 1970 impulsionada pelos campeonatos de Formula 1 e pelas conquistas de Emerson Fittipaldi. As pistas eletrificadas, os carrinhos detalhados e a possibilidade de personalização faziam do Autorama mais do que um simples brinquedo, era uma experiência que unia técnica, habilidade e diversão. A loja não apenas vendia produtos, mas também promovia encontros e competições que transformavam um passatempo em um verdadeiro evento comunitário.

Essa paixão se traduzia nas longas filas que se formavam logo nas primeiras horas da manhã, compostas por meninos carregando suas maletas cheias de carrinhos, peças e ferramentas para uso na pista, todos ansiosos para que a Hobbyes Modelos abrisse suas portas.


Hobbies Modelo na década de 70 - Imagem da internet


Com o passar do tempo, em homenagem ao funcionário Francisco Ferreira, carinhosamente chamado de “Seu Chico”, os proprietários decidiram renomear a loja para Xicko’s Brinquedos. Essa mudança marcou uma nova fase, na qual a loja expandiu seu catálogo para incluir uma grande variedade de produtos, desde bonecas clássicas até os primeiros videogames, acompanhando as transformações do mercado e os desejos das novas gerações.

Francisco Ferreira, conhecido por toda a garotada como “Seu Chico”, era a alma do local. Sempre presente, ele criava laços com os jovens frequentadores, auxiliava nas competições de fim de semana e ainda ajudava nos reparos dos carrinhos. Com seu jeito carismático e conhecimento, acabou se tornando a autoridade máxima nas maior atrações da Hobbies Modelo: as imponentes pistas de Autorama.

Com o tempo, as crianças passaram a chamar a loja de “Loja do Seu Chico”, tornando o apelido uma referência natural ao estabelecimento da família Barros Barbosa.  Fernando decidiu homenagear Seu Chico e rebatizou a loja com seu nome. “Ele era como um membro da família, vivia a loja intensamente”, relembra Rosália.


Seu Chico, no balcão técnico da loja - Imagem da Internet


Os zumbidos dos motores, os melhores assoviavam, em miniatura e a disputa acirrada nas curvas das pistas, que chegaram a totalizar três, criavam um ambiente eletrizante e inesquecível. A Hobbies Modelo não era apenas um lugar para comprar brinquedos; era um ponto de encontro onde se compartilhava uma paixão comum e se criavam memórias destinadas a transcender o tempo unindo amigos, pais, filhos e, até netos em uma atividade empolgante horas a fio.

 

Chico, Ricardo, Rosália e Fernando - Imagem da Internet


Eu e a loja do Seu Chico

Nem me lembro exatamente como conheci a loja, mas certamente foi por meio de algum amigo da escola. No início, eu ia até lá apenas para olhar e sonhar com o dia em que pudesse apertar aqueles gatilhos e controlar os carrinhos nas pistas.

A pista Grande da Hobbies Modelo . Imagem da internet


Um dia, graças aos inúmeros “rolos” que fazia trocando peças de bicicletas e outros brinquedos, muitos vindos de ferros-velhos, consegui um motor de autorama da marca Estrela. Era um motor bem fraquinho, o chamavam de "Estrelinha",  daqueles que vinham nos autoramas comercializados pela marca.


Motor Estrelinha - Imagem da Internet


Com apenas um motor, claro, não havia muito o que fazer. Então, com criatividade e paciência, usei a carroceria de carrinho de plástico comum, alguns pedaços de lata de óleo para contruir o chassi, eixos e outros componentes que comprei usados, para construir meu primeiro carrinho de autorama. Era bem rústico: o controlador era apenas um pedaço de fio que eu plugava na pista, encostando um no outro para fazer o carrinho andar. Ele ia devagar, mas andava. Por ser tão simples, eu nem ousava mostrar meu carro ou o controlador e usava apenas a menor pista, num cantinho da loja que não era muito frequentada.

Aos poucos, com o dinheiro das mesadas e as trocas que fazia, fui aperfeiçoando meu carrinho. Consegui comprar um controlador de verdade e finalmente subi de nível: passei a usar a pista média, a minha favorita. Ainda assim, meu motor não chegava nem perto do desempenho dos importados. Foi então que decidi melhorar o “induzido” do motor, tentando reenrolá-lo. Esse tipo de motor modificado era conhecido como “motor enrolado”.


Um carrinho Lola, idêntico ao primeiro que montei - Imagem da Internet


Observando os diversos motores que passavam pelas mãos do Seu Chico – sempre requisitado no balcão técnico da loja, resolvi tentar enrolar meu motor por conta própria. Muitos modelistas já faziam esse trabalho profissionalmente, mas pagar pelo serviço estava fora do meu alcance. Minha única opção era aprender a faze-lo sozinho. Passei vários finais de semana enrolando e desenrolando o motor com fios novos, num processo de tentativa e erro.

A cada modificação, precisava testar o resultado na pista, o que me fazia ir e voltar inúmeras vezes entre minha casa e a Hobbies Modelo.

Com o tempo, fui aprendendo e, no final, meu carrinho se tornou bastante competitivo. Ele começou a chamar atenção e até me rendeu algum dinheiro com serviços de melhoria nos motores de outros modelistas.

Cheguei a montar meu próprio chassi, já em latão e a carroceria original da Estrela passou a ser uma carroceria leve e flexível chamada de bolha.


Um típico chassi de latão, construído artezanalmente, da época - Imgem da Internet


Carroceria bolha da época, muito leve e flexível - Imagem da Internet


Um motor importado da marca MURA modelo Green, Muito cobiçado na época. - Imagem da Internet.


Um carrinho Lola, mas com carroceira bolha, chassi de latão e o famoso motor MURA Green - Imagem da internet

O mesmo conjunto anterior restaurado -
Imagem da internet

Chassi da década de 70 restaurado - Imagem da internet


O Induzido de um motor, devidamente "enrolado" - Imagem da Internet


O Controlador, do mais simples, passando pelo eletronico de 1981 e os atuais

Meu controlador, da época, era um modelo básico da Estrela, como o da foto. Na época já haviam controladores DIY feitos em acrílico e resistências especialmente escolhidas para maior desempenho.

Controlador da marca Estrela - Imagem da internet


Controlador DIY mais robusto - Imagem da Internet


Em 1981, quando trabalhava no laboratório da revista Nova Eletronica, publiquei um circuito simples para um controlador eletrônico.







Hoje os controladores são totalmente eletrônicos, computadorizados e programáveis, promovendo o máximo desempenho para os motores modernos.


Controlador moderno programável - Imagem da Internet


O Autorama de ontem e de ontem e hoje na mídia


Reportagem da TV Tribuna sobre os veteranos do hobby.



Depois de muito tempo, terminei trocando o carrinho, e acessórios, por uma bicicleta. Mas isso é outra velha  história.


Fontes:     Atribuna - Santos

                Site Memória Santista.


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